Roberto Guedes NinguĂ©m recebe impunemente o epĂteto de “Rei” em um meio tĂŁo disputado como Ă© e tĂŁo barra-pesada quanto foi a indĂşstria dos comics nos EUA — Ă© o que revela a biografia de Jack Kirby, escrita por Roberto Guedes, o novo lançamento da editora Noir.
No seu berço, no meio editorial norte-americano das dĂ©cadas 1920/1930, os quadrinhos ocupavam a posição mais baixa e desprezĂvel na hierarquia das artes gráficas — segundo Will Eisner, Ă© esse o fato que fez com que tantos artistas e redatores judeus e filhos de imigrantes pobretões ocupassem o segmento. Eisner comparou o meio a uma pocilga, no qual, independentemente de seus atributos, apenas os sem-esperança ou muito determinados topavam trabalhar nele. Ainda segundo Eisner, as pessoas usavam codinomes justamente para esconder sua origem miserável, na esperança de vir a trabalhar em publicações “mais decentes e dignas” que as páginas porqueiras de quadrinhos de jornais e, depois, dos comic books.
Conforme Ă© retratado no livro O Criador de Deuses, Jack Kirby era um judeu brigĂŁo, um casca-grossa, uma figura “difĂcil” no tratamento, segundo seus prĂłprios contemporâneos, e se nĂŁo fosse assim, talvez teria se perdido no ambiente violento dos guetos de Nova York da Ă©poca, mas ele abriu caminho dando duro, dando braçadas no meio editorial preconceituoso, como desenhista autodidata, munido da audácia necessária, e contando apenas com um talento nato, gigantesco mas bruto, que ele foi lapidando atĂ© chegar ao auge na dĂ©cada de 1950 em diante, porĂ©m, intuitivamente sem abdicar de um tanto da rusticidade que o diferenciava dos demais grandes autores de quadrinhos.
Ele foi um esteta ao modo Kirby — dando-se ao direito de deformar como quisesse as figuras que desenhava, desafiando o convencionalismo estético e a imposição de parâmetros de bom-gosto helênico, observado nos comics elogiados de Hal Foster e Alex Raymond. Kirby reinventou a arte dos quadrinhos, foi mestre em todos os gêneros que desenhou, mas foi especialmente empolgante e revolucionário no desenho de super-heróis, e intensamente criativo, também, embora esse potencial em particular tenha sido historicamente ofuscado.
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