Maria Gabriela Llansol Amar um cĂŁo, escrito em finais de agosto de 1990 Ă©, como diz Llansol, “uma breve hesitação”. Demora-se diante do nascimento e da morte de um cĂŁo, Jade, entre os prazeres do jogo e os perigos do poço. Uma oscilação entre aprender a ler o animal e, ao mesmo tempo, perceber que, se a linguagem Ă© tambĂ©m perto da boca – fome e religiĂŁo – o animal pode pedir que a narradora o ensine a ler. Um apontamento a que ela nos lança: o que ainda Ă© ou seria ler. Tanto que, com algum risco, Ă© possĂvel dizer que primeira questĂŁo de tudo o que escreveu Maria Gabriela Llansol se projeta, quase sempre, sobre a figura e diante de uma pergunta: o que Ă© a figura? NĂŁo há parâmetro, perto ou longe, em lĂngua portuguesa ao que ela imprimiu de imaginação como texto. Se diante do cĂŁo, a narradora afirma que se impele a olhar “diferentemente os hábitos do mundo” e que “ler Ă© nunca chegar ao fim de um livro”, pode-se expandir rapidamente essas imagens frente ao tempo de anti-imaginação em que estamos – comezinho e rasteiro, com uma literatura enfadonha e banalizada –, para tocar o texto de Llansol com a força que ele exige dos corpos: existir com força entre Eros e a polĂtica, corpos legentes. Por isso a biblioteca dos textos de Llansol Ă© imprevista, heterogĂŞnea, impensada, e se desequilibra entre o universo e o mundo com seres humanos raros e raras. Giordano Bruno, por exemplo, que ela tanto lera, diz em O canto de Circe que os cĂŁes covardes e medrosos se escondem sob aspectos humanos. Jade vem daĂ, como contraponto, porque enquanto adoece salienta “a verdadeira natureza do medo” e avisa que “a morte Ă© dar como verdadeiro o que Ă©.” Jade Ă© a coragem de que amar Ă© uma luta: “luta comigo”. Manoel Ricardo de Lima, verĂŁo, 2023/24
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32 Pages