Elfriede Jelinek 15,378 ratings
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Publicado em 1983, o romance A pianista foi um gerador instantâneo de polêmicas, sobretudo pela forma direta pela qual expõe as perversões sexuais da protagonista e sua conturbada relação com a mãe. Além disso, foi sentido como um soco no estômago pela moral da classe média austríaca, um triste prenúncio dos escândalos que temos acompanhado ultimamente, como entende o apurado posfácio de Marcelo Backes.
A escrita envolvente de Jelinek, com seu ritmo e idiossincrasia próprios, transportados com maestria ao português por Luis S. Krausz, narra em ordem não linear a história de Erika Kohut, concertista frustrada que se limita a dar aulas de piano no Conservatório de Viena. Aos 36 anos, Erika ainda mora na casa da mãe, com quem divide a mesma cama. A relação das duas é, ao mesmo tempo, de dependência e ódio. Em uma das primeiras passagens do romance, vemos uma luta que transcende o jogo de nervos e se torna física; por fim, Erika arranca um tufo dos cabelos da mãe. No transcorrer do romance, surge entre as duas o pior pesadelo para a mãe: um homem que se apaixona pela filha, Walter Klemmer, estudante de música. A devoção de Klemmer é manipulada por Erika, que faz dessa paixão uma neurótica relação masoquista – registrada numa carta em que a pianista pede para ser torturada pelo jovem –, enquanto deflagra uma guerra doméstica contra a mãe.
A pianista é um romance construído a partir da força do choque. O esplendor estético da melhor música se bate com a progressiva tortura que as personagens instalam em si mesmas e umas contra as outras. A dor que esse tipo de relação destrutiva gera logo se une ao prazer estético para mostrar o lado obscuro da arte: obsessão, irracionalidade, cobrança e medo do fracasso.
A própria linguagem é carregada de choque. Luminosa e cheia de viço, o que ela cria porém é um mundo repressivo e violento. O leitor percebe o paradoxo que acompanha a arte moderna: apesar da técnica apurada da autora, o resultado final é cheio de angústia e dúvida para tudo que diz respeito à condição humana.
A professora de piano, assim, carrega no seu íntimo uma espécie de dor universal: a arte que ela ensina é capaz de atingir qualquer pessoa. Os Concertos de Brandenburgo, uma das preferências dela, por exemplo, ultrapassam as amarras culturais para atravessar povos e épocas. Como eles aparecem ao lado de um sofrimento também intrínseco, a dúvida que atravessa cada uma das páginas assusta: estaríamos condenados, mesmo no que temos de mais grandioso, à dor?
O romance não irá responder à pergunta, mas mostrar seus vários lados. Se, de fato, uma das funções mais sofisticadas da arte for a de mergulhar nos cantos mais profundos do ser humano, todo o aplauso que a obra-prima de Elfriede Jelinek recebeu e continua recebendo é mais do que justificado. Como acredito que a arte deva iluminar a consciência, também bato palmas para A pianista.
Genres:
FictionNobel PrizeClassicsGerman LiteratureContemporaryLiteratureNovelsLiterary FictionFeminism20th Century
336 Pages