Mariana Salomão Carrara A separação de um casal e o debate sobre filhos"A avenida vazia e ele ainda se demora nuns últimos cumprimentos que talvez estejam se estendendo além do necessário, silêncios etílicos entre risadas íntimas, o figurino suado gelando com qualquer ventozinho da madrugada. Ela vê o último ônibus passar num estrondo galopante, quase cavalos disparados na descida pra casa, e cogita estender o braço ainda que esteja totalmente fora do ponto, e os amigos parecem notar esse instante quase imperceptível de ansiedade, e subitamente se despedem, como se agora adiantasse, justo agora que as coisas todas parecem últimas. A plateia foi embora há tanto tempo que o teatro já é um galpão melancólico de cadeiras escuras. Ao baixar a porta ela ainda nota que alguma criança esqueceu um caderninho, e antes que ele termine de acender outro cigarro e olhe pra ela com aquela cara de quem espera um sorriso infalível, ela tem tempo de pensar que o teatro depois de uma plateia infantil fica ainda mais triste porque as cadeiras são largadas no mesmo ímpeto em que foram ocupadas, como se acometidas de uma paixão arrebatadora e fugaz, e agora estivessem ali na escuridão de um abandono súbito, na assimetria dos assentos, uns abaixados outros não, humilhadas por pacotes de balas e garrafas de água também deixadas pra trás junto com os atores nessa última noite, últimas tantas coisas."
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